Muita gente pensa que o cuidado com o idoso se dá somente nas necessidades básicas do dia a dia: alimentação, troca de fraldas, higiene pessoal, acompanhamento durante o dia, companhia na hora de dormir, etc. Porém, este é um momento importante para nós cuidadores aprendermos quem é a pessoa que estamos lidando. E até mesmo, ajudar esta pessoa a se encontrar e ser livre para dizer QUEM ELA REALMENTE É.
No post de hoje vou falar sobre como descobri como meu avô era, e sobre como sempre o enxergamos pelos olhos de outras pessoas, nunca por ele mesmo.
Vocês devem conhecer aquele hábito que as pessoas tem de dizer: "Ele não come isso", "Ele não gosta de usar determinado tipo de roupa", "Ele não vai fazer desse jeito porque ele não gosta". Porém, fica a reflexão:
"VOCÊ JÁ PERGUNTOU PARA O IDOSO SE ELE GOSTA OU NÃO?"
Na casa dos meus avós eu sempre ouvi frases como:
"Seu avô não come maionese."
"Seu avô não gosta de usar esse tipo de roupa."
"Seu avô é sistemático."
"Seu avô não vai gostar disso."
Nunca encarei meu avô dessa forma, como uma pessoa metódica. Sempre admirei a elegância, fineza e delicadeza para lidar com as coisas. A frase que todos me ouviam dizer desde sempre era:
"Meu vô é muito fino"
Com a convivência diária do meu avô já morando na minha casa, pude comprovar que eu estava certo. A cada dia que passava eu desmistificava toda aquela carga que algumas pessoas colocaram no meu avô.
E eu reparava isso na sensibilidade que ele tinha ao ouvir uma música, na forma de cuidar e lidar com as plantas, por todas as inúmeras histórias que ele me contava, e até mesmo nos raros momentos em que desabafava sobre crescer em um lar extremamente autoritário.
Um idoso com a história de vida do meu avô tinha todos os motivos do mundo para ser uma pessoa fechada, sem demonstrar sentimentos, e que todos o considerassem como uma pessoa "brava". Para algumas pessoas ele era assim. Porém estas eram as pessoas que mereciam ver este lado. O lado bom dele, era guardado para os animais, para as plantas e para aqueles que estivesse disposto a ouvi-lo.
VOCÊ ESTÁ DISPOSTO A OUVIR?
Uma vez uma prima nossa fez o seguinte comentário:
"Nossa, fui na casa do seu avô e ele ficou um bom tempo contando casos e conversando com a gente!"
E é nesses momentos que a gente repara que ele sempre esteve disposto a conversar, sempre esteve aberto a opinar sobre as situações que aconteciam à sua volta. Porém, muita coisa lhe era escondida, pois sabiam que ele era uma pessoa honesta e que sua opinião não condizia com determinadas atitudes.
Houve uma vez em que meu avô entrou em uma loja comigo, experimentou uma bermuda (peça que ele nunca tinha usado) e a partir daí, não quis mais tirar...
porque lhe foi oferecida a opção de usar.
Houve uma vez em que ele experimentou pratos que até então diziam que ele não comia...
porque perguntamos a ele se gostaria de experimentar.
Houve uma vez em que meu avô me mostrou como suas criações funcionavam...
porque eu pedi que ele me mostrasse.
Houve uma vez em que meu avô deu sua opinião sobre a homossexualidade...
porque eu perguntei sobre o que ele estava refletindo.
Houve uma vez em que ele nos contou sobre ter se encontrado com seus ídolos:
TIÃO CARREIRO & CARREIRINHO...
porque sempre paramos para ouvir o que ele tinha para nos contar.
Houve uma vez em que meu avô me disse: "Eu também te amo"... porque eu também disse que o amava.
O convite que faço à você cuidador é para que deixe de lado todo o estereótipo que criaram em cima do idoso que agora faz parte da sua vida. Por mais que te digam: "Ele é uma pessoa difícil. Ele não gosta das coisas que a gente faz pra ele." Se permita oferecer um mundo diferente à ele. Há pessoas que não tiveram oportunidade de expressar quem elas realmente são. O nosso cuidado vai além de deixar a pessoa "limpinha e sempre arrumada". Nosso cuidado começa na hora de estabelecer confiança com o idoso, e uma forma de conseguir isso é deixando ele se expressar. Uma pessoa presa em situações e momentos que nem mesmo ela se lembrará um dia, não será feliz. Sem felicidade, aceitar o cuidado se torna impossível. A gente precisa mostrar para o idoso que ele é IMPORTANTE na nossa vida, e que o seu valor vai muito além daquele que todos vêem nele, quando chega a hora de fazer empréstimos bancários para salvar suas dívidas.
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